sábado, 22 de novembro de 2008

Para sempre irrequieto


Nesta publicação, você ouve o último capítulo da série "Cartunistas Brasileiros". O homenageado da vez é Henrique de Souza Filho, o Henfil. Acompanhe essa reportagem e ainda, ouça trechos de "O Bêbado e a Equilibrista".

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quarta-feira, 25 de junho de 2008

Livro-objeto


O que você compraria com 750 libras? (Ou, para quem não sabe a cotação de cor, aproximadamente 2370 reais -- isso com a taxa de câmbio de hoje, a libra valendo R$3,15).

Você poderia ter comprado uma edição limitada de The Devil May Care, o novo livro do James Bond, escrito por Sebastian Faulks. Foi publicado pela editora Penguin, mas o toque final foi da Bentley, que fabrica os carros do Bond. Cada um dos trezentos livros vinha em uma capa especial de couro italiano, feito no mesmo lugar que fornece couro para o interior dos carros da Bentley. E de brinde, ainda vinha uma miniatura do Bentley R, carro que aparece em Thunderball e On Her Majesty’s Secret Service – na verdade, esse carro nunca existiu, então as miniaturas foram baseadas nas descrições do Ian Fleming, criador do 007.

E você ainda teria lucrado! Algumas semanas depois, já havia gente vendendo a mesma edição por 3500 dólares, mais do que o dobro do valor original.

Mas as extravagâncias literárias não param por aí. No ano passado, era possível comprar o livro Dancing with the Bear, de Roger Shashoua por 3 milhões de libras. Na capa, 600 diamantes. O título estranho não explica o livro, que é sobre como o autor se tornou milionário na Rússia. Engraçado é pensar que quem dispõe de mais de 9 milhões de reais precise de dicas sobre negócios.

Os mortais como eu talvez cheguem à mesma conclusão: isso está me cheirando a tática de editora. E tática muito boa, alias para a situação atual das editoras, que a cada dia tem de lidar com uma concorrente cada vez mais forte: a internet. Tudo bem que pouquíssimos podem comprar edições tão caras como essas duas que citei, mas a idéia de transformar o livro em um objeto de coleção, ou torna-lo cada vez mais único é interessante. Ao menos para concorrer com os livros que podem ser impressos, por exemplo, do domínio público ou no GoogleBooks.

domingo, 22 de junho de 2008

Leituras ecológicas

Los Inocentes: este é o nome do livro de Oswaldo Reynoso, de onde o projeto argentino Eloísa Cartonera extraiu e publicou os contos Cara de Ángel e Carambola. Ambos os títulos fazem alusão a personagens presentes na obra, que tem como tema principal o universo infanto-juvenil. São cinco contos no total. Sexo, anseio pela independência e a necessidade de firmar-se como “hombre muy macho” são as principais preocupações de Corsário, Natkinkón, Príncipe, Cara de Ángel, Calorete, Chino, Rosquita e Carambola.

Los Inocentes
foi lançado em 1961, no Peru, e causou grande escândalo na época. Oswaldo Reynoso, igualmente peruano, era professor do primário e as autoridades ligadas à educação do país não gostaram de ler meninos falando “gírias de rua” como adultos. Por isso, Reynoso quase foi impedido de continuar a carreira docente. Em Cara de Ángel, por exemplo, o protagonista homônimo usa o termo “vieja” para se referir à mãe e “pendejo”, “cochino”, “arrecha” (imbecil, porco trapaceiro e mulher apaixonante e sensual, respectivamente, em português), dentre outros nomes, para se designar aos colegas. Mas a descrição do universo imagético dos personagens, bem como a mistura da narração do autor com a do próprio personagem principal trazem ao texto a leveza e inocência necessárias para equilibrar os contos da obra.

Cara de Àngel é um menino franzino que sofre com a perseguição do colega de mesma turma, Colorete. Outra perturbação são as implicações constantes da mãe para com ele e o desejo que tem pelas colegas de classe, Gilda e Yuni. Através dos fluxos de consciência do personagem Oswaldo arremata a inocência infantil presente nos meninos que insistem agir como homens. “El semáforo es caramelo de mento: exquisitamente. Ahora, rojo: bola de billar suspendida em ela ire”.

Em certas passagens, a opção sexual é posta em xeque e, muito embora meninas sejam citadas ao longo da fábula, o autor joga nas mãos do leitor a responsabilidade e preocupação sentida pelos garotos ao se questionarem sobre o assunto: “(...) Los ojos de Colorete ya no tienen fúria, tienen um brillo estraño que asustan. Es el mismo brillo y la misma ansiedad que vio en los ojos de Gilda la noche que casi le toca las piernas. Cara de Ángel siente miedo desconocido y oscuro. Hay um vacío vertiginoso en el estómago, como si se estuviera em el último piso del Ministerio de Educación y el asfalto negro de la calle atrajera, irresistiblemente. Desesperadas las manos se prenden al pasto y grita. – Estás armado, mostacero de mierda! Déjame” – o autor descrevendo as impressões que Cara de Ángel tem com relação Colorete durante uma briga.

Na seqüência organizada pela edição compactada de Eloísa Cartonera: o conto Carambola. Neste, um garoto, também homônimo ao título, toma conselhos com seu admirador – um senhor jogador de sinuca chamado Choro Plantado.

Por ter menos que 18 de anos, Carambola aguarda na porta do bar o ansião terminar a partida, para convidá-lo para uma cerveja num outro local. Depois de questionamentos e trocas de conselhos, cada qual retoma seu caminho para casa, e, a história que poderia terminar com a maturidade do menino como pano de fundo é derrubada pelo monólogo de Choro Plantado: “Casi todas las chelfas son iguales. Pobre Carambola! Si supiera que su tal Alicia es más puta que una gallina. Todas lãs gilas son igualitas. Pobre Carambola!”. E assim, o garoto que aparentava ser maduro é desmascarado pela desilusão amorosa prevista pelo senhor, por conta do excesso de confiança que Carambola deposita na paixão por uma menina, que jura ser pura. Oswaldo mostra para o leitor que o personagem ainda é uma criança inocente.

Conforme citado no começo desta resenha, os textos sugeridos além de fazerem parte do livro Los Inocentes, de Oswaldo Reynoso, também estão em edição especial feita pelo projeto Eloísa Cartonera. Na versão deles a obra é intitulada apenas como “Cara de Ángel” e somente os dois contos comentados é que estão presentes – suficientes para conhecer o universo de Reynoso.

Novamente fazendo gancho com outra passagem minha, num post anterior, eu havia comentando sobre a versão brasileira do Eloísa Cartonera. Pois bem, Dulcinéia Catadora também publicou Cara de Ángel - com esta mesma grafia. Agora, Eloísa tem 101 livros em catálogo e Dulcinéia, 34.

Mais detalhes sobre os projetos: Elô ; Dulce

Lições a leitores de obras latinoamericanas

Até o momento não consegui meu exemplar de Salão de Beleza, do mexicano Mario Bellatin. Mas consegui o seu Lecciones para una liebre muerta (Barcelona: Editorial Anagrama, 2005).

Apesar de Lecciones ainda não ter sido editado em língua portuguesa, estou tentando resenhá-lo.



Salão de Beleza, que fica para uma próxima.

Abaixo, Mario Bellatin é entrevistado após ganhar prêmio de literatura no México, em fevereiro deste ano.

sábado, 21 de junho de 2008

O búfalo da noite sonha conosco

Aí vai a resenha:


O mexicano Guillermo Arriaga tem cinqüenta anos e é um dos expoentes do novo cinema ou da nova literatura latino-americana dos anos dois mil. Ele não se classifica como roteirista, mas sim como “escritor de cine”, sendo premiado pelos filmes “Amores Brutos”, “21gramas” e “Babel”.

Pratica a caça de animais desde os doze anos, e, segundo ele, o contato com a morte age como fundamento para entender e valorizar a vida. Talvez por isso suas histórias tenham denominadores comuns, como a presença ou os vestígios da morte na vida, usando como suporte experiências pessoais do próprio autor.

Sobre suas histórias – e algumas se tornaram mais célebres como filmes -, Arriaga é autor de “Escuadrón Guillotina”, “Um dulce olor a muerte” e “El Búfalo de la Noche”, livro sobre o qual tratará este comentário.

Em “El Búfalo de la Noche”, Manuel Aguilera é um jovem ordinário de classe média da Cidade do México, mas poderia ser de São Paulo ou também de Buenos Aires. É independente e intempestivo, mas constantemente se vê em conflito com sua consciência. Seu bíceps esquerdo é riscado por cicatrizes, fruto do esforço de apagar uma tatuagem preterida, sob a forma de um búfalo.

Já Gregório é louco, esquizofrênico, chamado de “o Rei Midas da destruição”, mas também seu melhor amigo, tendo a mesma tatuagem conservada em seu braço, como forma de materializar e reforçar o pacto com Manuel. Gregório está à beira de suicidar-se. Sonha com “lacrainhas” que consomem suas entranhas e sua mente enquanto se deita, e teme o momento em que o Búfalo da Noite virá buscá-lo. Dois dias após ter alta da clínica, recebe a visita de Manuel e cumpre o desejo suicida. Morre já na terceira página, mas mesmo morto, continua a ser figura presente na vida dos que ficaram.

Além da amizade, um coração une os dois amigos. Tânia fora namorada do jovem internado em clínicas psiquiátricas, mas agora ama o livre Manuel, sob o sentimento de culpa a traição. A garota é misteriosa, independente e cativante – tem o dom típico das mulheres, de conseguir o que quer à sua maneira.


É a história de um triângulo amoroso envolvido pela culpa e pela traição, sobre o drama psicológico da juventude, regado à irresponsabilidade e ciúme. Arriaga acertou ao descrever o comportamento de seus personagens de maneira profunda: ele cria referenciais, apresentando elementos do mundo real e, ao mesmo tempo, traz o enredo para os olhos do leitor. Em determinado ponto a ficção se confunde com os desejos de quem acompanha a historia, se vendo obrigado a torcer por este ou aquele desfecho.

O mexicano foi entrevistado pelo programa “Roda Viva” no dia 9 de julho do ano passado, e descreveu a literatura como umas das formas naturais de uma pessoa se vincular com o mundo. Para ele, o ato da leitura deve servir de instrumento para as pessoas se encontrarem com si mesmas, “um lugar onde elas devem se identificar com as histórias e seus personagens”.

A busca pelo envolvimento sentimental entre leitor e leitura parece ser a linha usada por Arriaga, e quando perguntado sobre o sentimento de escrever “El Búfalo de la Noche”, o autor respondeu: “Eu raramente choro na vida real, mas quando escrevia o “El Búfalo de la Noche”, me vi com a camiseta molhada e eram lágrimas. Estava chorando pelos meus personagens”.

Resta esperarmos até o mês de agosto, quando o autor estará na bienal do livro para conferirmos de perto a personalidade marcante do criador deste livro provocativo, capaz de tomar apenas um fôlego do leitor e prendê-lo por horas nas 248 páginas do universo paralelo de Manuel, Gregório e Tânia.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Inimigo Rumor


Revistas literárias são raras por aqui. Recentemente, conhecemos a versão brasileira da inglesa Granta, fundada em 1889 (isso mesmo!) por alunos da universidade de Cambridge.
Hoje estou aqui para contar sobre uma que é produto nacional e motivo para orgulho:
Em 2008, Inimigo Rumor completou dez anos e vinte números.

No começo, era publicada pela editora Sette Letras (atual 7Letras) e editada pelos poetas Carlito Azevedo Júnior e Júlio Castañon Guimarães. No primeiro número, de cara poemas inéditos de Haroldo de Campos, Sebastião Uchoa Leite, Armando Freitas Filho e Francisco Alvim. Não havia editoral. No site da Cosac Naify, Carlito Azevedo justifica essa ausência com sua certeza nos textos, que já serviam como uma apresentação ao público: "Confio bastante na capacidade dos poemas e dos ensaios selecionados, e na montagem final, dizerem o que tem que ser dito". Os autores e seus textos - não apenas brasileiros, vale lembrar - já justificavam e anunciavam a intervenção que a revista pretendia.

Com o tempo, veio o crescimento: no número 14, com a parceria da Cosac Naify, a tiragem triplicou: de 500 para 1.500 exemplares. Em dez anos, passaram pelas páginas da Inimigo Rumor autores como Ferreira Gullar, Antonio Candido e Walter Benjamim. E os assuntos não se restringem à poesia: há ensaios sobre artes plásticas, música, e até trabalhos fotográficos.

O nome da revista, à primeira leitura curioso, deriva do título de um livro do poeta, novelista e ensaísta cubano Lezama Lima, Enimigo Rumor. Para quem faz a revista, o nome foi e continua sendo uma definição de poesia. E para quem se interessa por literatura, vale conhecer tanto a revista quanto o livro. Boas leituras!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

De catador à artesão, poeta, livreiro

Eloísa Cartonera é um projeto iniciado em Buenos Aires, que trabalha com cooperativas de catadores de papelão nas ruas da cidade. Os coordenadores do projeto compram o material arrecadado por um preço maior do que o de mercado, para que estas pessoas ganhem um incentivo e a possibilidade de inclusão social. Como a maioria dos envolvidos corresponde a jovens com idade inferior a 18 anos , então, a idéia é ensiná-los a confeccionar livros artesanais, a fim de serem vendidos com qualidade e a preços acessíveis.

Depois da Argentina, a idéia foi copiada na Cidade do México, no Peru e no Chile. Aqui em São Paulo, também existe um projeto similar chamado Dulcinéia Catadora. Para comprar os livros artesanais de escritores brasileiros e de outros latino-americanos, é só dar um pulinho no bar Mercearia São Pedro. O endereço: Rua Rodésia, 34 - Vila Madalena - São Paulo - SP. Telefone: (11) 3815-7200. Funciona de segunda a sábado, das 10h à 1h. Domingos, das 11h às 18h.

Agora, um vídeo de abril deste ano, com uma das coordenadoras do Dulcinéia Catadora, Lúcia Rosa, explicando sobre o projeto, durante a confraternização de lançamento do livro "Mentiras", de Floriano Martins:

Mais Borges

Droga, acabei entrando no clima borgiano. Vou colocar aqui uma das minhas poesias favoritas deste que é um dos maiores escritores do último século.


EL GOLEM - Jorge Luis Borges

Si (como el griego afirma en el Cratilo)
El nombre es arquetipo de la cosa,
En las letras de rosa está la rosa
Y todo el Nilo en la palabra Nilo.

Y, hecho de consonantes y vocales,
Habrá un terrible Nombre, que la esencia
Cifre de Dios y que la Omnipotencia
Guarde en letras y sílabas cabales.

Adán y las estrellas lo supieron
En el Jardín. La herrumbre del pecado
(Dicen los cabalistas) lo ha borrado
Y las generaciones lo perdieron.

Los artificios y el candor del hombre
No tienen fin. Sabemos que hubo un día
En que el pueblo de Dios buscaba el Nombre
En las vigilias de la judería.

No a la manera de otras que una vaga
Sombra insinúan en la vaga historia,
Aún está verde y viva la memoria
De Judá León, que era rabino en Praga.

Sediento de saber lo que Dios sabe,
Judá León se dio a permutaciones
de letras y a complejas variaciones
Y al fin pronunció el Nombre que es la Clave.

La Puerta, el Eco, el Huésped y el Palacio,
Sobre un muñeco que con torpes manos
labró, para enseñarle los arcanos
De las Letras, del Tiempo y del Espacio.

El simulacro alzó los soñolientos
Párpados y vio formas y colores
Que no entendió, perdidos en rumores
Y ensayó temerosos movimientos.

Gradualmente se vio (como nosotros)
Aprisionado en esta red sonora
de Antes, Después, Ayer, Mientras, Ahora,
Derecha, Izquierda, Yo, Tú, Aquellos, Otros.

(El cabalista que ofició de numen
A la vasta criatura apodó Golem;
Estas verdades las refiere Scholem
En un docto lugar de su volumen.)

El rabí le explicaba el universo
"Esto es mi pie; esto el tuyo; esto la soga."
Y logró, al cabo de años, que el perverso
Barriera bien o mal la sinagoga.

Tal vez hubo un error en la grafía
O en la articulación del Sacro Nombre;
A pesar de tan alta hechicería,
No aprendió a hablar el aprendiz de hombre,

Sus ojos, menos de hombre que de perro
Y harto menos de perro que de cosa,
Seguían al rabí por la dudosa
penumbra de las piezas del encierro.

Algo anormal y tosco hubo en el Golem,
Ya que a su paso el gato del rabino
Se escondía. (Ese gato no está en Scholem
Pero, a través del tiempo, lo adivino.)

Elevando a su Dios manos filiales,
Las devociones de su Dios copiaba
O, estúpido y sonriente, se ahuecaba
En cóncavas zalemas orientales.

El rabí lo miraba con ternura
Y con algún horror. ¿Cómo (se dijo)
Pude engendrar este penoso hijo
Y la inacción dejé, que es la cordura?

¿Por qué di en agregar a la infinita
Serie un símbolo más? ¿Por qué a la vana
Madeja que en lo eterno se devana,
Di otra causa, otro efecto y otra cuita?

En la hora de angustia y de luz vaga,
En su Golem los ojos detenía.
¿Quién nos dirá las cosas que sentía
Dios, al mirar a su rabino en Praga?

Entrevista com Jorge Luis Borges

Vale a pena fazer uma forcinha para entender o espanhol. Borges é sempre Borges.

sábado, 14 de junho de 2008

Mario Bellatin


Minha intenção é a de postar, no fim do mês de junho, a resenha de Salão de Beleza (1993), livro de Mario Bellatin.

Nascido no México, foi em Lima (Peru) que o escritor estudou Teologia e Ciências da Comunicação e, na década de 1990, publicou seus primeiros romances. Ele criou e dirige até hoje a Escola Dinâmica de Escritores, que fica na Cidade do México.

A única obra de Bellatin lançada aqui no Brasil é Salão de Beleza, que saiu em 2007 pela editora Leitura XXI, do Rio Grande do Sul. Para quem mora em São Paulo, pesquisa em várias livrarias e não encontra, a espera por um exemplar pode durar mais de dez dias.

Em março, o escritor coordenou uma oficina de criação literária para doze participantes, no Centro Cultural Barco, em São Paulo. O resultado dela foi um romance coletivo.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O Passado - Resenha


Amor. É essa a medida para a passagem do tempo em “O Passado”. O amor de Rímini por Vera. Depois, sua paixão por Carmem. Em seguida, a relação com Nancy. São as divisões importantes dentro da história de “O Passado”, livro de Alan Pauls publicado no Brasil no ano passado. O miolo da história. O começo e o fim, porém, ficam por conta do romance de Rímini e Sofía – e é nessa relação que estão mergulhadas as demais, como se fosse uma espécie de sopa primordial de onde vêm todas as coisas.

Rímini e Sofía viveram uma paixão adolescente que acabou resultando em casamento. Doze anos depois, decidiram se separar. Deixaram para trás, além de um amor que até então tinha parecido eterno, um apartamento, móveis, amigos e uma caixa com centenas de fotografias – representações materiais do passado em comum com as quais nenhum dos dois sabe lidar.

Apesar do fim do casamento, o amor, para Sofía, é uma torrente contínua. Ela encara a separação como sendo apenas mais um capítulo do seu romance com Rímini, e não como o fim da relação. Mas o ex-marido não compartilha dessa opinião e passa a construir uma nova vida da qual Sofía já não faz parte. Parte imediatamente em busca de uma substituta, das quais a primeira é Vera, uma jovem modelo fotográfica.

Sofía, porém, não está disposta a cair no esquecimento. Se Rímini não lhe telefona e nem a procura, ela vai atrás dele e, em poucos mas intensos momentos, reaparece e impede que ele viva sem ela. A antagonista parece, às vezes, servir ao autor como recurso narrativo – um vilão que aparece de tempos e sacode a trama. A cada aparição sua, as consequências são trágicas para todos, e assim vai rodando a engrenagem do enredo para que surjam as duas substitutas seguintes, Carmem e Nancy.

O amor de Sofía por Rímini parece, em muitos momentos, ser doentio. Obcessivo. Mas, em outros, passa ao leitor a impressão de que ela só se empenha tanto em ter Rímini de volta porque não tem dúvidas de que o que sentem um pelo outro é absolutamente verdadeiro – missão, no final das contas, que tem o seu quê de nobreza.

Rímini, por sua vez, até se esforça em parecer menos obcecado que Sofía. Seu empenho é quase heróico em se separar daquela que é evidentemente a sua sina. Mas nada do que o protagonista faz consegue enganar o leitor, principalmente porque estamos atentos aos detalhes – por exemplo, quando decide usar cocaína, é em cima de um quadro de Sofía que Rímini coloca o pó.

Mesmo que Rímini e Sofía estejam separados fisicamente, nós nunca deixamos de perceber a linha inquebrantável que une os dois. Afinal, parece impossível que a história de ambos, repleta de experiências em comum que remontam às suas infâncias, encharcada com referências culturais como as feitas aos filmes "Rocco e Seus Irmãos" e "A História de Adèle H.", seja apenas mais um romance fracassado. E não somos só nós, os leitores, a pensar assim: os próprios amigos do casal se indignam com a separação deles e exigem sua reconciliação.

Outro denominador comum entre Rímini e Sofía é o pintor fictício Riltse, criador da igualmente fictícia “sick art” e ídolo da juventude do casal. Apesar de sua história – paralela à dos amantes – aparecer muitas vezes jogada entre capítulos, dando a impressão de que deveria ter sido publicada à parte, é um dos pontos altos do livro. O ápice do amor do casal é, aliás, fruto de um dos quadros do artista, pois é para vê-lo que ambos viajam à Europa, uma das experiências mais românticas que vivem juntos.

O final do livro – a retomada do amor entre os dois – também está ligado a Riltse: acontece após o fim do romance de Rímini com Nancy, quando ele enlouquece ao ver pendurado, na casa dela, um quadro de seu pintor favorito.

Com a reunião de Rímini e Sofía, somos levados a perceber que o tempo não precisa ser necessariamente linear. A história do amor dos dois indica que às vezes a passagem do tempo pode ser cíclica, e o passado de dois apaixonados pode ser também seu futuro, independentemente do que houver no meio. E Sofía estava certa, no final das contas: a separação é, para alguns apaixonados, apenas mais um capítulo na sua história de amor.

Panorama da literatura latino-americana

Está nas bancas o 7ª número da coleção Cadernos EntreLivros sobre literatura latino-americana, justamente o tema que estamos tratando desde o início do mês.

A revista apresenta já nas primeiras páginas uma cronologia casando os principais autores com os acontecimentos na América Latina. É uma análise dos autores e de suas obras -- com sinopses, perfis de personagens, traduções comparadas e mais.

O interessante em traçar um panorama dessa literatura é admitir um problema primordial, inerente aos autores latino-americanos e suas obras: qual é a limitação espacial? Ou, como diz o editorial:
O que chamamos de literatura latino-americana? Aqui, optamos pelos países de língua espanhola, ou melhor, cuja colonização foi feita a partir do México e que veio descendo até o sul, mesclando culturas nativas com a do colonizador, criando tensões indiscutíveis de identididade cultural.
Só para citar alguns nomes entre as dezenas de autores: Gabriela Mistral, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Manuel Puig, Octavio Paz, Roberto Bolaño.

Para quem estiver com preguiça de sair de casa, é possível comprar o exemplar (além de outros da coleção, sobre as literaturas inglesa, russa, americana, francesa, portuguesa e italiana) no site da editora Duetto.

El Bufalo de la Noche

Amigos, outro dia li um livro que me fez pensar um tanto.


O autor é o mexicano Guillermo Arriaga, roteirista premiado pelos filmes "21 gramas" e "Amores Brutos".

"O Búfalo da Noite" é um livro de um fôlego só. Se você começar a ler, tome cuidado, pois vai ser difícil parar. A vantagem é que se trata de um livro curto, de 248 páginas, e isso dá margem para a imaginção materializar o triângulo amoroso entre Manuel, Gregório e Tânia. Jovens que vivem na Cidade do México, mas poderiam viver em Buenos Aires ou São Paulo.

A descrição é tamanha que em certa parte começamos a torcer pelo desfecho dos personagens, pela identificação e atualidade da psique dos protagonistas.

Muitos ainda vão criticar, e podem até dizer se tratar de uma história à Sidney Sheldon ou Danielle Steel, mas o fato é que fiquei quatro horas seguidas preso no universo paralelo de Manuel Aguilera.

O filme foi lançado no ano passado, mas ainda não tive coragem de apagar da memória os meus Gregório, Tânia e Manuel. O último aliás é interpretado por Diego Luna, mas acho que o meu ainda deve ser melhor. Aguardem em breve uma resenha.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Passado

Até o final da semana posto a minha resenha do livro que baseou o filme O Passado, estrelado por Gael García Bernal.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Futebol é cultura

Desculpem o clichê, mas o Brasil é o país do futebol. Não há como negar. Para você - goste ou não do esporte - que ainda acha esse estereótipo raso demais, aí vai uma dica: Veneno Remédio - O futebol e o Brasil, do ensaísta, compositor, cantor, pianista, letrista (e, é claro, amante do futebol) José Miguel Wisnik.

Em suas 448 páginas, a obra traça paralelos interessantes como Pelé e Machado de Assis, Garrincha e Macunaíma, além de contar com a cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda, a dialética da malandragem de Antonio Candido e os estudos de Gilberto Freyre.

Para aqueles que estranham o título do livro, Wisnik explica:
Veneno remédio é uma idéia contida na palavra grega "fármacon", poção que pode curar ou matar. É a força que revira em seu contrário, o mesmo que se transforma em outro, o avesso do avesso
Destaco os ensaios A catástrofe, o veneno da Copa de 50, e Pelé e Garrincha, o remédio oriundo da Suécia em 58. É o Brasil "vira-lata" de 1950 e o Brasil campeão do mundo em 1958.

domingo, 1 de junho de 2008

Nova fase - América Latina

A partir deste bimestre, o blog 68Letras passa a falar não mais de maio de 1968, mas de América Latina. Copiei da Wikipedia esta tabelinha, para começarmos a entrar no clima. Boa sorte a todos!

América Latina

Espanhol: América Latina
Francês: Amérique Latine
Inglês: Latin America
Holandês: Latijns-Amerika

Línguas oficiais Português, Espanhol, Francês (Haiti) e línguas indígenas.
Países
Área
- Total
2º maior1
cerca 21.000.000 km²
População
- Total (2006)
3º mais populoso1

548 milhões

PIB por Nominal
- Total (2006)
4º maior(depois do Nafta ,UE e Japão1
U$ 2.284.723.000.000
Fuso horário UTC -2 a -8
Organizações regionais: ALBA, ALCA, ALADI, ALLC, APEC, BID, CAN, Caricom, CEPAL, UNASUL, FLAR, G3, Mercosul, OECA, OECO, PARLATINO, PC, SEL.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

68 macacos

Fantástico! Digitei "68 monkeys" no google e adivinhem só... Existe uma empresa com esse nome. Sérião. Juro. É uma coisa bizarra, para promover artistas do norte da Califórnia (EUA) e alinhados com a causa ambiental... mas -- quem se importa?

Aliás, falando em quem se importa...


Come torta!

68 destinos


O protesto de literalmente milhares. Foto de Evandro Teixeira

No dia 26 de junho de 1968, os cariocas assistiram a uma das maiores manifestações públicas em sua cidade. Aliás, não apenas assistiram, mas também participaram. Milhares de pessoas estiveram na "Passeata dos Cem Mil". O Rio de Janeiro deixara de ser o mesmo desde a morte do estudante Edson Luís, em março daquele ano. Os episódios seguintes de repressão foram cada vez mais violentos, culminando naquela que foi chamada de "sexta-feira sangrenta", em que a cidade presenciou uma guerra civil em praça pública -- por mais que a construção soe batida, é o que relatam os que assistiram a tudo isso, como Zuenir Ventura em seu livro 1968 - O ano que não terminou, citado no post abaixo.

A Passeata dos Cem Mil foi a resposta da população, que compareceu às ruas para demonstrar seu descontentamento. E não apenas a população: líderes estudantis, mães chocadas com a idéia de que seus filhos poderiam ser o próximo Edson Luís, padres, engenheiros, advogados, artistas, jornalistas. A idéia da Passeata foi de Ferreira Gullar e narrada por Zuenir. Não tentarei recriar essa história porque Zuenir já fez isso, e muito bem, em seu livro. O importante é saber que foi a articulação de poucas pessoas que garantiu a segurança de milhares, que puderam sair para protestar sem medo de serem presas.

Tudo isso para dizer que o fotojornalista Evandro Teixeira, que já havia registrado diversas cenas daquele ano, também estava trabalhando no dia da Passeata dos Cem Mil. E fez o retrato emblemático desse dia. Da foto, surgiu a idéia para o livro que já foi lançado no Rio de Janeiro, e será lançado em São Paulo até o final do mês. 68 destinos pretende contar a história de 68 pessoas naquela foto -- o que aconteceu com elas nesses quarenta anos que se seguiram.

Em razão do lançamento, Evandro foi entrevistado no Programa do Jô. Para os que não conhecem a foto ou querem saber onde estavam naquele dia personalidades como Paulo Autran, Clarice Lispector, Antonio Callado, Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Othon Bastos, vale a pena assistir o vídeo abaixo:


quinta-feira, 24 de abril de 2008

Onde tudo começou...

É meus amigos...este blog obviamente foi motivado pelo fato de que em 2008 se completam 40 anos do tão comentado 1968. Mas por que tão comentado? Aqui no Brasil, por causa do livro 1968: o Ano Que não Terminou, de Zuenir Ventura.

Depois de amanhã, dia 26/04, a Editora Planeta vai lançar um box chamado 1968 Terminou?, que trará, entre outras coisas, além do livro originalmente publicado em 1987, entrevistas com FHC, Fernando Gabeira e José Dirceu e o livro 1968: O Que Fizemos de Nós. A caixa no site americanas.com custa R$59,90 . Um preço justo pela qualidade do produto.

Para Carlos Fuentes, autor já citado aqui no blog, 1968 foi "um desses anos-constelação nos quais, sem razão imediatamente explicável, coincidem fatos, movimentos e personalidades inesperadas e separadas no espaço".

Para Zuenir, o ano de 68 teve uma particularidade ainda não repetida nestes 40 anos que já passaram. "Acho que foi a primeira manifestação da globalização antes mesmo de a globalização existir. É um mistério na história, ninguém conseguiu responder até hoje como começou, por que começou naquele ano". Portanto, quem viveu viu, quem não viveu pode (re)ler.

Nas bancas

A edição deste mês de abril da revista História Viva tem como matéria especial um dossiê sobre a ano de 1968.

Destaque para as rebelião toma as ruas do planeta, Maio francês, Primavera de Praga e a conjuntura sobre o desenvolvimento do movimento negro norte-americano.

No Brasil, a resistência estudantil diante da Ditadura Militar recebe um tratamento especial. A passeata dos 100 mil, naquele 26 de junho, é tema base desse artigo. Vale a pena conferir, principalmente para aqueles que não tem muito conhecimento sobre o tema.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Roberto Piva: 1968, uma coisa de elite

Roberto Piva era um grande poeta aos 22 anos. Paulista, odeia São Paulo, mas descreve a cidade como ninguém. “Detesto São Paulo. Não moro num sítio porque não tenho dinheiro”. A acidez do poeta, que estava sempre expressa em seus poemas, ainda é muito presente. Entretanto, o peso das opiniões contrasta com a postura tranqüila de quem parece um avô. Ligado ao Xamanismo
Piva fez parte de um grupo muito especial da literatura brasileira. Viu uma série de transformações e falou de tudo isso dentro da poesia marginal. Durante a ditadura militar, era um jovem ativo, crítico, mas sem lugar. “Ficamos isolados entre a direita e a esquerda”, diz. 40 anos depois, o poeta fala de do ano 1968, das manifestações e A.I. 5. E afirma: nossa esquerda era fascista e limitada.

Pensando em 68 hoje, como você vê aqueles acontecimentos aqui e na França?
Maio de 68 na França foi bem diferente daqui. Lá eles se rebelaram contra a esquerda tradicional também – eram contra todo mundo. E aqui foi atrelado ao movimento de esquerda.
Aqui não teve essa consciência cósmica, grandiosa, universal, globalizada como aquilo que acontecia na França. Aqui, as manifestações foram atreladas ao modelo cubando desse assassino que é o Fidel Castro, como uma espécie de karma - não conseguíamos sair desse paradigma de esquerda estalinista. Aqui, tivemos um movimento de esquerda fascista, fascistas vermelhos, extremamente limitados. E que acabou não decolando, não levantava vôo. Não foi uma coisa de massa.
De qualquer forma, 68 abriu um processo de reavaliação de partido comunista, de tudo isso. Pasolini tinha razão quando disse que quando os estudantes enfrentam a polícia, o povo é polícia. Concordo totalmente com ele. Maio de 68 na França foi uma revolução contra a sociedade. Não estive lá, mas tinha informação de amigos conheciam o país, e muito pelos jornais, apesar da censura que existia.

Mas não foi um movimento importante para o país?
Teve importância para jornalista, pessoas de esquerda, mas não foi universal. Aquela coisa “o povo unido jamais será vencido”, um paradigma limitado. No Brasil, não tivemos uma consciência cósmica, ecológica, ou que abrangesse outros aspectos da vida.

Quando começaram as manifestações vocês já sentiam que aquilo seria tão importante historicamente?
Não sei, não sou um “sessenteioteiro”. Acho que 68 é uma merda. Houve o condicionamento ao Fidel Castro, Viva Cuba, e as pessoas que fizeram parte daquilo estão aí até hoje. O Zé Dirceu, por exemplo: hoje está roubando, mas antes estava falando. Agora já partiu das palavras para a ação e a ação deles é enfiar dólar na cueca.
Mas foi um movimento relevante. Era revolta contra o sistema militar que não dava certo, era obtuso. Mas a esquerda não deixava por menos também a obtusidade.

Como você participou dessas manifestações?
Fizemos passeatas, participamos o tempo todo, e alguns da minha turma foram presos. Sempre alguém avisava quando ia ter passeata, algumas até a imprensa difundia. A maior delas foi a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, quando mataram um estudante.
Mas no fundo 68 foi um engodo, uma coisa de elite. Os filhos mimados da mídia. As participação do Cláudio Willer, minha e de outras pessoas foi diferente, não compactuávamos com nenhum dos lados, ficamos isolados entre a direita e a esquerda.

Os protestos tinham a intenção de promover uma mudança de comportamentos. Essa mudança ocorreu?
Essa mudança foi mais na França, aqui era tabu na esquerda. porque a esquerda sempre foi fechada. Há um poema aqui [terceiro livro com a obra reunida de Piva], que representa bem 1968, em que digo que as pessoas aqui no Brasil entram em partidos políticos para servir de capacho, enquanto na Europa, entram para esculhambar*

Como teria sido o tipo de manifestação ideal aqui no Brasil?
Como sou anarco-monárquico, acho que o exército devia parar no 7 de setembro, pedir desculpa para a família real e empossá-la de novo no poder. Acho isso porque sou monarquista. Como anarquista, gostaria que tivesse muita manifestação contra o estado. Ninguém tocava no estado, queriam que trocassem o estado dos militares pelo estado de Fidel Castro, que é militarizado, criminoso - leva as pessoas ao paredão. E esse homem está a quarenta anos no poder e não sai mais. A múmia dele vai ficar lá.

68 também foi o ano do A.I. 5. Como você reagiu ao Ato?
Senti muito pelo ambiente fechado que se criou, pela falta de liberdade. Os militares ficavam num filme de faroeste com aqueles que criticavam a ditadura, solta bomba aqui, solta ali... Não havia mais espaço de verdade.
Éramos muito unidos, porque debaixo da ditadura, havia um espaço conquistado pela liberdade individual de cada um.

Você ficou sem escrever por muito tempo. Por quê?
Preferi viver.

Intelectual brasileiro entra
em partido político pra lavar chão.
pra ser Devoto. Pasolini entrou em
partido político pra criticar,
pra esculhambar.
os poetas deixaram de ser bruxos
pra serem broxas.
fantasmas-eunucos deste teatro
de Sombras que é a
sociedade Industrial,
bibelôs de consumo devidamente
etiquetados & vacinados
contra a Raiva.
a nossa viagem xamânica começa
agora:
para as praias desertas & florestas
do mundo, rumo ao centro da Terra
cidade lúcida & quente.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

De Militares no Poder até a Internet

A “Coluna do Castello”, que o Jornal do Brasil começou a publicar em 1963, foi leitura obrigatória de todos os que acompanhavam com atenção os assuntos políticos do país ou que deles eram protagonistas. O próprio jornal carioca afirmou que a coluna chegou mesmo a substituir a vida política nacional, em momentos durante os quais as instituições estiveram sufocadas, no regime ditatorial pós-1964. Foi um período em que se tinha de ler com toda a atenção não só as linhas, mas também as entrelinhas do discurso de Castello.

Reunidas pela primeira vez em 1977, em três volumes lançados pela Nova Fronteira, as colunas de Castelinho ganharam uma reedição no final do ano passado. Publicado em um único volume, Os Militares no Poder mostra um recorte temporal de um momento nebuloso, até então pouco explorado e pouco conhecido de fato deste período, que vai do golpe que depôs o presidente João Goulart à edição do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968.

O livro revela o papel que desempenharam as principais lideranças políticas e militares do país no processo de endurecimento do regime. Ao lado da Coleção Ditadura, do também jornalista Elio Gaspari, Militares no Poder é a obra mais precisa e realista sobre a conturbada época que assolou a liberdade brasileira, alem de ser uma das crônicas mais densas daqueles escuros anos.

E quando mais a sociedade precisou de informações e o Regime amendrotava a imprensa, Castellinho, como era conhecido por suas intermináveis fontes e amigos, afirmou-se.

Previu o AI-5 dez dias antes em sua coluna e detalhou seu desenvolvimento até o dia do decreto, em 13 de dezembro de 1968. Foi o único jornalista a exercer tal função, sem medo da censura governista. Entretanto, não conseguiu evitá-la. Os militares conheciam sua inteligência e seu papel diante da sociedade.

Na noite do decreto, ele e sua mulher comemoravam o 20º. aniversário de casamento. Ao ouvir o discurso pela televisão, já previu o pior e chamou a esposa: “Vai olhando tudo aí que eu vou dormir. Estou muito cansado e vou ser preso amanhã cedo”. Em seu texto já pronto para a edição do dia seguinte, lia-se: “Ao ato institucional de ontem não deverá seguir-se nenhum outro ato institucional. Ele é completo e não deixou de fora, aparentemente, nada em matéria de previsão de poderes discricionários expressos”.

Logo pela manhã, a polícia foi até sua casa e o prendeu. Passou cinco dias no cárcere. Mesmo assim, não deixou de ser respeitado até mesmo pelos oficiais responsáveis pela ação. “Fui bem tratado e sempre tive regalias”, afirmou Castello em entrevista exclusiva em 1992, um ano antes de sua morte, ao jornalista Carlos Chagas.

Os anos de chumbo, marcados pela forte censura da imprensa, não fizeram com que Carlos Castello Branco desistisse de sua maior alegria: escrever sua coluna diária. Nem mesmo a Ditadura Militar o privou disso. Castellinho continuo seu trabalho de jornalista dedicado à causa da democracia e da liberdade de expressão.

As recompensas vieram mais tarde. Foi eleito, em 1976, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, cargo que exerceu até 1981. Em 24 de outubro de 1978, foi homenageado nos Estados Unidos com o prêmio Maria Moors Cabot, pela Universidade de Columbia, Nova York, destinado aos jornalistas notáveis das Américas. Recebeu também o Prêmio Mergenthaler, de liberdade de imprensa, além dos prêmios Nereu Ramos de jornalismo, dado pela Universidade de Santa Catarina, e Almirante, na área de comunicação.

Atualmente, o acervo de obras de Carlos Castello Branco foi disponibilizado na Internet por sua família no site www.carloscastellobranco.com.br. Além das colunas entre 1964 e 1968 contidas na obra Os Militares no Poder, pode-se ter acesso àquelas até 1993. Um grande presente para estudantes e historiadores do período mais conturbado e escondido da história nacional. Melhor ainda através do trabalho daquele que foi um dos melhores jornalistas políticos do Brasil.

Macaco de Israel

"Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria."
O macaco tinha se esquecido da cidade sagrada, mas não conseguia olvidar aquele salmo. Olhava para as duas mãos peludas com uma sensação curiosa de medo, mas não de culpa. Havia abandonado a capital sagrada para engajar-se nas lutas de Paris, para enfiar-se nas trincheiras profanas da pólis da luz. "Meu filho, essa batalha nada tem a ver contigo, um macaco de Israel". "Querida mãe, a estrela de David brilha na Europa tão forte quanto brilha na Judéia; deixa-me ir, e prometo que volto". A macaca velha deixara -- as recentes conquistas da Guerra dos Seis dias tinham derretido o coração dela. E cá estava ele, nas margens do Sena afugentando pombos. Chegara tarde demais, os rebeldes já tinham sido reprimidos. Não encontrava em lugar algum os olhos brilhantes dos revoltosos. "Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém", murmurava com tom irônico, "que se resseque o meu coração, a minha alma e todo o mais, menos a minha mão, para que nela eu ainda possa usar meus anéis faustosos". Tinha se tornado um filósofo, de repente, embaixo das nuvens francesas, descansando na sombra de Notre Dame, a senhora dos cristãos. Mas sabia -- os melhores filósofos são os árabes. Seu melhor amigo, macaco companheiro de uma infância gostosa passada no Neguev, era hoje um dos sufistas mais notáveis de Teerã (seu pai tinha sido um leal servidor do império Otomano, porém, e detestava os mitos abássidas e os sussurros a respeito de Imanes Ocultos). O islamismo permitia algumas loucuras a que o cristianismo e o judaísmo já tinham se tornado imunes, percebia. Mas o racionalismo francês não era imune a nada, e tinha levado o império carolíngio àquela situação tenebrosa -- jovens trancafiados em casa enquanto os gorilas de De Gaulle marchavam livres nas ruas reurbanizadas. Não que na terra de David a coisa estivesse menos enegrecida. O gás lacrimogêneo dos judeus, na terra sagrada de Jerusalém, era a própria atmosfera, e nas pedras desgastadas do último muro (dádiva do Imperador Adriano!, que tinha poupado ao menos aquele pedaço de relíquia, maldito seja o romano) as lágrimas de gerações se misturavam há seculos. Um casal passou por ele carregando duas malas de mão -- explosivos? Seria possível que a resistência ainda estivesse articulada? Bobagem. O mundo já tinha voltado seus olhos para a crise da França, a luta, para os seculares, já tinha sido ganha. Era assim que se fazia, nos países modernos. Um macaco de Israel, aquela batalha nada tinha a ver consigo mesmo. Sua mãe não estava enganada. E a estrela de David não brilhava ali tão forte quanto na Judéia -- ela mal brilhava. Aquela Europa agressiva, que expulsara os judeus no século XV, aquele continente ingrato. "Se eu não me lembrar de ti, tu não te lembrarás de mim também", concluiu, sorrindo. Levantou-se, mergulhou no Sena e nadou contra a corrente até a nascente oculta do rio. Percorreu os lençóis freáticos misteriosos, conheceu a origem da água do mundo e, quando voltou à superfície, já estava no Mediterrâneo. Glória ao nome desconhecido! Embarcou, sem ser visto, em um barco pesqueiro no Adriático. Navegou clandestinamente até a Anatólia, onde parentes distantes o receberam e o encaminharam a Israel montado em um camelo, como um rei vitorioso. Chegou a tempo das celebrações em homenagem ao aniversário de um ano da guerra de expansão -- vitória de Israel. Já não se via árabe nenhum sorrindo nas ruas. Golã, Sinai, Jordânia. Quando entrou em casa, sua mãe o abraçou como já não esperasse vê-lo com vida. "Convertestes os francos?", perguntou-lhe? "Não, minha mãe, não converti ninguém. Mas descobri que sou apaixonado por Jerusalém e jamais me esqueci da cidade sagrada. Minhas mãos não se ressecarão, porque não há nenhuma alegria que eu prefira à ela", disse. Sorriram, os dois com lágrimas nos olhos. Rezaram 68 vezes pela glória de David e dos nomes desconhecidos de deus.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Novo Mundo


A primavera já se encontrava no seu fim. O ano tinha dado quatro passos e agora estava perto de terminar de dar o quinto – estávamos em meados de maio de 1968, e Paris já se mostrava cansada de ver as cores das flores que, em março, tinham vindo como uma novidade aos nossos olhos acostumados ao branco frio do inverno.


Na rua Gay-Lussac, a juventude se reunia para conchavar. Como se fosse um código só nosso, sussurrávamos os nomes estrangeiros que idolatrávamos – bastava que alguém descrevesse a selva esverdeada de Che, o porto amarelado de Fidel ou as plantações de arroz esbranquiçadas de Mao, e todos os corações batiam velozes, em uníssono. Ainda que poucos de nós soubessem, de fato, o que aquelas letras a tantos quilômetros de distância, nos tais países do terceiro mundo, podiam significar.


Éramos uma multidão de estudantes escondidos atrás das barricadas feitas de blocos de pedras, vigas de aço e tapumes roubados do canteiro de obras da junção com a rua Ursulines. Éramos diversos revoltados, desgostosos, estávamos em greve e nossos olhos ardiam, porque o vento fraco da manhã ainda não tinha conseguido varrer do ar todo o gás lacrimogêneo das últimas batalhas. Gritávamos que o poder público era covarde. O poder público e o partido socialista também – pensávamos que os comunistas nos apoiariam, já que tínhamos conosco a classe popular, mas, em vez de encorajamento, líamos no L’Humanité o Partido nos apelidando de “agitadores” (e qual era o problema de se agitar um pouco as coisas naquela França quase bourbônica – religiosa, patriótica, autoritária –?).


Ah!, se fôssemos escrever a nossa história nos anais da França certamente nos descreveríamos como um raio de luz iluminando não só o Quartier Latin dos turistas, mas também as periferias escurecidas pelo descaso de que gozavam os negros da Argélia, que tinham vindo a nós como se vai a um deus salvador. Diríamos de nós mesmos que éramos uma brisa fresca soprando alucinada, um peixe colorido nadando no acinzentado Sena. Não tínhamos dúvida – estávamos vivendo um daqueles anos inesquecíveis da história da humanidade a que para sempre as gerações futuras se refeririam. E gostávamos dessa sensação de podermos pertencer tão gloriosamente ao porvir.


Mas toda essa glória só vivemos antes do endurecimento da repressão. Logo os soldados do então presidente De Gaulle surgiram nas ruas como macacos ensandecidos, como gorilas alucinados, e de nada adiantava combatê-los – as pedras que atirávamos neles voltavam a nós três vezes mais fortes, como num contrafeitiço. Tínhamos ideais de sobra, mas faltava força aos nossos braços. Sem o apoio do Partido, voltamos, aos poucos, para nossas casas. Nossas mães cuidaram das feridas que trazíamos no corpo como troféus e, por mais que nos chamassem de loucos, ainda assim deixavam que víssemos nos seus olhos o brilho de um orgulho maternal.


A revolução acabou tão repentinamente quanto tinha começado. Mas a morte nem sempre marca o final de uma história, e logo percebemos que, apesar de termos sido derrotados, tínhamos feito tremerem as bases da França e de toda uma geração. Os livros no mundo inteiro, em países que nem sabíamos que existiam, agora falavam de nós como se fôssemos heróis. Talvez tenhamos mudado o mundo – gostamos de pensar que sim. E o novo mundo vinha a nós maravilhoso, repleto de valores de igualdade, plenitude sexual e respeito aos direitos humanos.
Sorríamos.

domingo, 13 de abril de 2008

Fuentes periodísticas

Se você leitor tem mais de 50 anos, então façamos um exercício de memória: onde estava e o que fazia no ano de 1968?

Eu não era nascido, e não tenho a menor idéia sobre você, mas Carlos Fuentes se lembra direitinho, e escreve sobre si mesmo na terceira pessoa em seu site oficial:

"Vive en Londres y París. Aprovecha los recursos del British Museum para iniciar la redacción de Terra Nostra. Colabora con François Reichenbach en el film México, México. Es un año crucial. Está presente en la fase final de la rebelión estudiantil parisina y publica París: La revolución de mayo. Protesta contra la invasión soviética de Checoslovaquia y viaja a Praga con Julio Cortázar y Gabriel García Márquez para apoyar a los escritores y artistas independientes de ese país. Los recibe Milan Kundera. La masacre de estudiantes ordenada por el presidente Gustavo Díaz Ordaz el 2 de octubre en Tlatelolco a fin de celebrar un Olimpiada pacífica le hiere profundamente y decide regresar a México."

O ano de 1968 foi definitivamente agitado. Três grandes acontecimentos se tornaram páginas importantes dos livros de história. Os meses de abril em Praga, de maio em Paris e de outubro no México são contados no calor do momento, através de artigos inalterados da época, pelos vinte anos de idade do escritor mexicano Carlos Fuentes em seu livro Em 68: Paris, Praga e México, da editora Rocco, lançado aqui no Brasil há cerca de duas semanas.

Admirador de Franklin Roosevelt e de sua capacidade de resolver conflitos através de meios democráticos, Carlos Fuentes é um diplomata de berço. Exerceu a função política apenas duas vezes, mas seu pai foi embaixador do México em diversos paises, oferecendo a oportunidade para o ainda jovem Carlos Fuentes conhecer outras realidades.

Nos textos, o autor não somente narra fatos a partir da perspectiva histórica, mas deixa transparecer sua opinião sobre os acontecimentos que narra praticamente “ao vivo”. Em especial sobre o ocorrido no México, país onde Fuentes criou uma identidade muito grande e uma proximidade com a política, e cunhou a metáfora “derrotas pírricas”. Explica-se: uma “vitória pírrica” significa que uma batalha foi vencida a muito custo, mas não necessariamente a guerra. Já uma “derrota pírrica”, é quando uma batalha é perdida, mas seus ideais perduram, constituindo uma vitória acima de uma derrota.

Explica-se novamente: para Fuentes, o massacre dos cerca de 400 estudantes no México em 1968 pelo regime ditatorial não foi em vão, pois o fato serviu de estopim para o fortalecimento dos partidos socialistas ocidentais e para o estabelecimento da democracia mexicana. Carlos Fuentes acredita, no fim das contas, que há males que vem para o bem.

Para um fã declarado dos presidentes democratas norte-americanos, escrever sobre massacres totalitaristas é uma proposta no mínimo sedutora, ainda mais no esplendor de sua juventude. Entretanto, participar destes episódios, ao lado de personalidades internacionais, como o colombiano Gabriel García Márquez, o argentino Júlio Cortázar e o tcheco Milan Kundera agrega ainda mais valor documental para seus textos.

O segredo do livro, certamente está nas fontes utilizadas. Além de o próprio Fuentes ter presenciado os episódios de Paris e de Tlatelolco, ele tem a ajuda de seus notáveis colegas, já citados anteriormente, no relato dos massacres. É a clara evidência de um trabalho jornalístico, considerando que o poder e a credibilidade das fontes elevam o valor simbólico de uma reportagem. Não é um texto imparcial, mas sim muito opinativo. Prova de que latinidade e sangue de barata não combinam.

O livro foi originalmente lançado em 2005 na Espanha, mas sua chegada recente ao Brasil vem mesmo a calhar, considerando que em menos de um mês, se completarão quarenta anos da data original de quando os ensaios foram produzidos. Carlos Fuentes Macías nasceu em 1928 na Cidade do Panamá, mas se considera mexicano. Escreveu mais de 20 livros e é considerado um dos maiores novelistas do mundo latino, sempre ligado à política ou a temas políticos. Vencedor de diversos prêmios internacionais como o “Miguel de Cervantes”, em 1987 e o “Príncipe das Astúrias”, em 1994, é professor titular em Harvard em Cambridge.

Vale a pena conferir seu livro, que tem tradução de Ebréia de Castro Alves e foi lançado pela editora Rocco (tel. 0/xx/ 21/ 3525-2000), com 160 páginas e o preço de R$ 25.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Coluna virtual do Castello

"O AI-5 foi feito à noite e havia uma reunião lá em casa, amigos. Ao ouvir o Ato lido pelo Gama e Silva nas televisões e nas rádios, percebi que a coisa estava mal parada. Chamei minha mulher: “Vai olhando tudo aí que eu vou dormir. Estou muito cansado e vou ser preso amanhã cedo”."
Carlos Castello Branco, jornalista nascido no Piauí, foi um dos maiores jornalistas políticos de toda história brasileira. Passou pela Tribuna da Imprensa, Diário Carioca, Diarios Associados, mas ficou conhecido mesmo no Jornal do Brasil.

Com a diária "Coluna do Castelo", analisou de maneira fina, atenta e objetiva o dia-a-dia dos tempos nebulosos da Ditadura Militar. Foi um observador privilegiado em razão de seu dotes pessoais - não utilizava gravadores e conseguia transcrever como ninguém uma entrevista - e de suas valiosas fontes de informação.

Prestigiado entre políticos e jornalistas, foi preso um dia após o decreto do AI-5. Já esperava a censura, mas nunca a temia. Nos cinco dias de cárcere, foi bem tratado por oficiais, que chegaram até a lhe oferecer banquetes na prisão.

A obra Os Militares no Poder, contendo suas colunas de 1964 a 1968, foi um tremendo sucesso na edição de 77, com três volumes. Ano passado, a obra foi reeditada em um único volume pela editora Nova Fronteira.

Agora, a família de Castello disponibilizou um rico acervo de colunas do jornalista político de 1963 até 1993, além da biografia e imagens dele. Vale a pena conferir.

O banco de Roberto Piva


Quarta-feira, 09.04. Como a maioria das pessoas que fazem este blog, estava me descabelando para conseguir terminar o trabalho de Jornalismo Cultural. O meu problema era maior, já que só faria a entrevista para minha pauta um dia antes da entrega, a noite.

Minha pauta é uma entrevista com Roberto Piva, ícone da poesia marginal dos anos 60. Para falar do ano de 68, nada melhor do que quem estava lá e participou.
Tinha combinado na última semana de fazer a entrevista por telefone, ontem no fim da tarde. A primeira impressão ao telefone foi ameaçadora, por isso resolvi não forçar uma entrevista pessoalmente.

Ontem, por volta das 14h10, liguei para ele para confirmar a entrevista a noite (fiquei com medo que ele tivesse esquecido). O senhor que me atendeu foi muito simpático, e achei que poderia tentar conversar pessoalmente.
- Ok. Estou indo andar um pouco na praça Buenos Aires, na Angélica. Agora são 14h20, né? Te encontro lá 15h10. Estarei no alto da praça, ao lado da estátua da mãe.

Tchau para o trabalho. Saio correndo numa avenida que não tem taxis e chego atrasada, obviamente.

Piva me espera sentado, com um livro na mão. Aquele que chama São Paulo de inútil, fala de orgias e chama Fidel de assassino parece um senhor comum. Mas não é.

- Vamos nos sentar no meu banco. Ele é energizado.
- Como assim?
- Você não sabe que há pontos mais energizados do que outros? A física explica. A energia daquele banco é melhor no outros.

Infelizmente tinha gente ocupando o banco. Voltamos para a companhia da mãe.

***
esqueleto da lua
o tempo
tambor tão frágil
vomitando a noite
***

A entrevista completa com Roberto Piva será publicada em breve.

terça-feira, 8 de abril de 2008

As bicicletas brancas de Amsterdam

Em dias de congestionamento. Não. Não posso começar o texto assim, porque todo dia é dia de congestionamento e toda hora é hora. Então continuo: quando sentimos o trânsito na pele, pensamos nos lugares do mundo em que as condições para o ato ou efeito de se transportar parecem ser menos caóticas.

Eis que, dentro do carro, ao buzinar mais uma vez e aumentar o volume de "My bike", do Queen, surge: "Por que a Holanda é conhecida como o país das bicicletas?" Há respostas que apenas livros podem oferecer de forma satisfatória ao curioso.

Um futuro post nesse 68letras apresentará uma resenha de Provos: Amsterdam e o nascimento da contracultura, de Matteo Guarnaccia. O livro saiu no Brasil pela Conrad em 2001 e não faltam motivos para resgatá-lo.

E enquanto a resenha não aparece por aqui para explicar quais são os tais motivos, adianto ao leitor: na Holanda, o costume de ir de um lado para o outro sobre duas rodas não motorizadas está relacionado ao Plano da bicicleta branca e esse é um dos assuntos do livro.

Se, naturalmente, a curiosidade fez surgir as perguntas "O que são Provos?", "O que é esse tal plano da bicicleta branca?", "O que essa pessoa quer dizer com essas coisas?" ou "O que isso tem a ver com 1968?", assistir ao vídeo abaixo como um pedaço do texto que virá é uma boa opção a curto prazo.

A premissa é: na década de 1960, jovens anarquistas pintaram bicicletas de branco e as espalharam pelo centro de Amsterdam para uso livre. Quem precisasse se locomover pegava a bicicleta e depois liberava para outra pessoa. Uma forma de protestar contra os carros? Eles previam o caos no trânsito?

Por enquanto, quem fala é o inventor Luud Schimmelpenninck, sem legendas.


O amor de Zuenir

No final dessa semana, os leitores do blog conhecerão mais sobre Hélio Pellegrino e sua importância no ano de 1968, tanto ao Rio de Janeiro, quanto ao Brasil.

Enquanto isso, hoje conto de uma prova de amor de Zuenir Ventura. Hélio, como os leitores descobrirão, despertava um amor imenso e sincero em muitas figuras hoje mais conhecidas do que ele (infelizmente). Um bom exemplo é Nelson Rodrigues, que almoçava em sua casa todos os sábados, durante anos. Ruy Castro, seu biógrafo, afirma que Otto Lara Resende era o amigo que Nelson mais admirava e Hélio, o que ele mais amava.

Zuenir Ventura e Hélio se conheciam de vista, mas se tornaram realmente amigos quando estiveram presos durante alguns meses, entre o final de dezembro de 1968 e março de 69. Apesar de ser uma situação inusitada para o começo de uma amizade, foi o contato diário -- eles dividiam cela -- que os tornou tão próximos (literalmente falando).

Nos agradecimentos de 1968: O ano que não terminou, Zuenir conta que o livro não tem prefácio porque seria escrito por Hélio, a pessoa que mais o estimulou a realizar o projeto. Pouco antes de morrer, Hélio lembraria de que nos tempos em que estiveram na cadeia, Zuenir havia o presenteado com Cem anos de solidão com uma dedicatória que ele repetiria para 1968:


"A Hélio,
um homem aberto com quem eu me fecho"


Acho que a dedicatória já demonstra por si só o amor de Zuenir.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Literatura Marginal

Lá para o finalzinho da tarde de hoje, encontrei o seguinte comentário sobre o Tropicalismo no livro "Estilos de Época na Literatura", de Domício Proença Filho. Leiam:

Reassumindo e incorporando a proposta antropofágica de Oswald de Andrade, ou seja, propondo-se a "deglutinação cultural", o Tropicalismo relativizou, como assinala Celso F. Favaretto, as posições antagônicas da época na realidade brasileira, quando se oscilava "entre a ênfase nas raízes nacionais e na importação cultural". Nesse sentido, caracterizou-se por uma dupla dimensão dialética e pretendeu ser, ao mesmo tempo, brasileiro e universal, sem qualquer preconceito estético, "apenas vivendo a tropicalidade". Esse propósito amplo, e de certa maneira vago, converteu-se numa ampla atitude de carnavalização, no sentido bakhtiano do termo. A esse traço, aliam-se, ainda como retomada da "antropofagia", pesquisa de técnicas de expressão, humor, atitude anárquica em relação aos valores da burguesia, a que não faltam o sarcasmo, o deboche, a ironia, o espirito de paródia, o cosmopolitismo estilístico. Representou também "uma apropriação da pop-art e da op-art americanas e das vanguardas brasileiras" e é tido por alguns críticos como manifestação da "estética do precário". Os anos 70 assinalam o declínio da atitude.

Meu comentário sobre o trecho destacado? Desculpe Sr. Domício, mas eu discordo totalmente da última frase. Como os anos 70 não foram expressivos, se foi a partir desta época que a chamada Poesia Marginal veio à tona, provando que litetura não precisava de editora, censor ou quaisquer outras aprovações burocráticas para ser publicada? Na época, escritores e artistas que se identificavam com o título "marginal", driblavam a ditadura, reuniam seus poemas e romances e os publicavam em fanzines, jornais alternativos, panfletos. Não concordo com o termo "carnavalização" também. O que era manifestação, então?

Exemplo vivo de que a atitude estava presente na juventude contemporânea de 1968, dez anos mais tarde, três jovens negros cansaram de tanta repressão e organizaram o que ainda hoje é considerado símbolo de resistência do movimento negro, os "Cadernos Negros".

Embora o lançamento dos Cadernos só tenha ocorrido em 1978, oito poetas negros uniram seus trabalhos, tornando-se vanguardas ao driblar a recriminação que havia no período ditatorial com relação à arte afro-descendente. Mais provas e informações:

http://bayo.sites.uol.com.br/historico_cadernos_negros.htm

ou

http://www.quilombhoje.com.br/

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Kyoto


Em 1968, o prêmio Nobel de literatura foi entregue ao japonês Yasunari Kawabata. Abaixo, o trecho inicial de um de seus livros, "Kyoto":


Chieko descobriu que as violetas floresceram no tronco do velho bordo.

Ah! Elas haviam florido naquele ano de novo, pensou ela diante da suavidade da primavera. O bordo era realmente grande para o pequeno jardim no meio da cidade, seu tronco mais corpulento que os quadris dela. Muito embora a superfície velha e áspera do tronco, coberta de musgo, não pudesse ser comparada a seu corpo jovem e delicado...

Na altura do quadril de Chieko, o tronco ligeiramente retorcido da árvore dobrava-se à direita, logo acima da cabeça dela. A partir dessa dobra, numerosos galhos se estendiam em todas as direções e dominavam o jardim. As extremidades dos longos ramos pendiam um pouco devido ao próprio peso.

Logo abaixo da dobra parecia haver duas pequenas cavidades, e em cada uma delas cresciam violetas que floriam a cada primavera. Pelo que se lembrava Chieko, aqueles dois pés de violeta sempre estiveram ali.

Trinta centímetros separavam as violetas de cima das de baixo. Chieko, que chegava à plenitude da mocidade, às vezes perguntava a si mesma se elas se encontrariam algum dia. Será que se conheciam?, pensava ela.

O que significaria, entretanto, "encontrar-se" e "conhecer-se" para as violetas? Floriam três, quando muito cinco, a cada primavera, não mais que isso. Apesar de tudo brotavam e desabrochavam todo ano naquelas pequenas cavidades da árvore. Chieko contemplava-as da varanda, ou junto ao bordo, e, por vezes, sentia-se comovida pela "vida" das violetas sobre a árvore, ou se sensibilizava com a "solidão" delas.


So site da Estação Veja é possível ler mais sobre o escritor, além de outros trechos de outros livros.

Uma delícia.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Deu no Jornal do Brasil

Jornal do Brasil - 22/03/2008 - por Alvaro Costa e Silva
Heloisa Buarque de Hollanda, Jean Marc von der Weid, Vladimir Palmeira e Augusto Nunes, diretor de jornalismo do Jornal do Brasil, são os convidados do debate que será realizado no lançamento do 68: destinos. Passeata dos 100 mil, do fotógrafo Evandro Teixeira. O evento será realizado nesta quarta-feira na livraria Travessa do Shopping Leblon (RJ), a partir das 19h30.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mil novecentos e sessenta e oito

Se as datas significassem o acúmulo de letras, e não de dias, 1.968 não seria quase nada. Não teria importância nenhuma. Mil novecentos e sessenta e oito caracteres preenchem pouco mais de meia lauda, se não contarmos os espaços. Meia página. Se fosse uma matéria jornalística, seria uma das pequenas. Num livro, serviria no máximo para a biografia resumida do autor.

Mas os calendários medem a passagem do tempo, e não a produção literária. E quando nos referimos a 1.968 d.C estamos deixando para trás mil novecentos e sessenta e oito anos, se tomarmos o nascimento do Cristo como ponto inicial. Multiplicando por 365, temos o número de dias. Por 24, de horas. Por 60, de minutos. Se a leitura deste texto tomou, até agora, um minuto, imagine só o quanto essa data não traz consigo. É muita coisa. E olhe que estamos fazendo vista grossa aos milhares de anos que antecederam o marco zero

Foi em 1.968 que as revoluções estudantis e proletárias tomaram conta de Paris e Praga, duas cidades imortais. E também foi nessa data que, no Brasil, o quinto ato institucional foi promulgado pela ditadura - colocando mais sangue na receita da opressão.

Este blog, dedicado a esse ano, vai abordar a conjuntura da época no que diz respeito à literatura. Vamos falar do que foi escrito e também do que deveria ter sido. Vamos poetizar em cima do tema, até que nos chamem de piegas. Vamos resenhar livros - alguns deles, não teremos lido por inteiro. Boa sorte para nós e para você também, leitor.

68Letras começa aqui.

 
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